Quem acompanha o blog, provavelmente já notou que um de meus gêneros favoritos é a fantasia infanto-juvenil. Além de serem leituras relativamente fáceis, é interessante analisar como alguns autores inserem assuntos de extrema importância em uma linguagem voltada para crianças e pré-adolescentes. Se engana quem acha que dentro das páginas de Percy Jackson, ou Harry Potter, encontraremos apenas aventuras e ação; são esses títulos que, cada vez mais, impulsionam o gosto pela leitura desde cedo.
 E, mesmo não tendo a mesma fama dos outros citados, hoje irei falar o porque de Kate Somente, da americana Erin Bow, ser tão importante quanto. Bora?



Nome: Kate Somente (Plain Kate)
Autor(a): Erin Bow
Tradutor(a): Waldéa Barcellos
Editora: Rocco (Jovens Leitores)
Páginas: 344
Ano: 2013
ISBN: 9788579801488
Onde EncontrarSkoob / Amazon
Classificação: ★★★★ (4,7 Estrelas)
SinopseUma jovem órfã com poderes mágicos é perseguida pelos moradores do vilarejo onde vive desde que uma misteriosa névoa encobriu os campos, arruinando as colheitas e espalhando medo, fome e doenças. Tendo seu gato como único companheiro, Kate não pensa duas vezes quando recebe uma inusitada proposta: em troca de sua sombra, o misterioso Linay oferece à menina a chance de fugir dali e encontrar um novo lar e uma nova família. Mas será que Kate será capaz de viver sem sua sombra para sempre? Romance de estreia da canadense Erin Bow, Kate somente é uma adorável história de magia e amadurecimento.
 Todos em Samilae sabem que Piotr é o melhor entalhador da região. Seus Objarka (especie de talismã) são indispensáveis na posse de cada morador da cidade, chegando inclusive a cruzar fronteiras. Mas poucos tem conhecimento de que Katerine Svetlana, sua filha, cresce em sua sombra como um verdadeiro prodígio na arte de entalhar. Ela pode não ter idade para ser aprendiz oficial de Piotr, mas aprendeu desde cedo a realizar impecavelmente todas as fases do processo que resultam nos belíssimos adereços.

 Só que o enredo é narrado em um tempo onde todo o diferente, incluindo o dom dos entalhadores com as facas, é condenado como bruxaria. Se algo é distinto e não serve para os interesses pessoais da população de Samilae, é rejeitado por todos a sua volta. O interesse no trabalho de Piotr e Kate é o que os mantém seguros.

 Mas isso muda quando, vítima da febre-da-bruxa, Piotr morre. Obrigada a ceder a casa em que vive para um entalhador substituto, Kate acaba morando em uma gaveta dentro da banca em que seu pai vendia entalhes na feira da cidade. Ali enfrenta repressão por parte dos moradores, chegando até a ter sua casa provisória completamente destruída à machadadas. Mas é nesse momento critico que ela recebe a visita de um homem misterioso, oferecendo solução para seus maiores problemas. O custo para aliviar essa dura realidade? sua sombra. Kate recusa, mas a necessidade acaba fazendo-a vender aquilo que nunca imaginara negociar. A partir disso, ela entra em uma aventura com gatos falantes e espíritos malignos, onde descobrirá a pior parte de ter selado um pacto com um bruxo.

 Se você ainda tem a impressão de que esse livro não apresenta nada além de aventuras para entreter crianças, tentarei te convencer, pela última vez, a dar uma chance para a obra-prima de Erin Bow. No lugar dos comentários organizados que geralmente posto aqui, citarei 6 grandes motivos para qualquer um, de qualquer idade, se aventurar na sombria aventura de Katerine Svetlana.

Braque: Esse é o nome do gato falante que acompanha Kate em sua jornada. Seu jeito é tão único, característico, que influência todo o enredo com um humor ácido e tangível. Mas, ainda mais que seus delírios felinos, a ligação direta com a protagonista me fez ter a certeza de estar apreciando uma criação tão bem feita quanto poucos conseguiriam. A autora demorou 6 anos para desenvolver o enredo, e essa proximidade tão longa acabou dando voz própria aos personagens. Além de Braque, temos Kate, Drina e vários outros que tomaram os holofotes para si mesmos em algum momento.

Uma Narrativa que Dança: A narrativa da autora foi algo que me pegou de primeira. Ela é clara, objetiva, mas também guarda dentro de si uma poesia dançante, singular. O texto é simples, mas a leitura nos faz entrar no enredo como um dançarino entra em um espetáculo. O tom muda conforme os acontecimentos vem e passam, mas a empolgação inicial continua viva até a última página.

Cultura Infrequente: O enredo é narrado na cidade russa de Simalae durante o século XVI, e a autora insere vários elementos da cultura Eslava para temperar a trama. Um dos seres que mais me impressionaram foi a Rusalka; espécie de ninfa-do-mar com hábitos vampirescos, capaz de colocar em um sono mortal qualquer um que ousar tocar em sua névoa. E tudo isso é ambientado durante a Febre-Da-Bruxa, que ocasionou uma Caça-Ás-Bruxas na região. A tensão criada pelo repúdio social nos leva ao quarto motivo;

Criticas Sociais: É impossível separar a arte da política. Todo movimento artístico, por menor que seja, tem o propósito de conscientizar sobre alguma coisa, se tornando assim um ato político. Nesse livro vemos isso na caça ás bruxas. A população, supostamente cega pelo medo, comete os mais covardes atos contra aqueles que julgarem errados - não importando sequer sua idade. Uma das cenas mais impactantes foi a de uma garota que, com 12 anos, tem a orelha decepada por suspeita de bruxaria. Isso acontece enquanto outra garota vende artefatos "mágicos" para proteção a poucos metros de distância. A hipocrisia se revela quando o mal deixa de ser maligno ao se tornar necessário.

Desfecho Satisfatório: Da metade pra frente fui alimentando um medo monstruoso de que os últimos capítulos quebrassem a impressão positiva que o livro estava me passando. Meu principal receio era sobre um final em aberto, possibilitando uma sequência que poderia nunca acontecer (né caixa de pássaros?). Mas, felizmente, a autora finalizou a aventura de Kate com chave de ouro. Por mais que alguns detalhes possam ter atiçado meu senso crítico, no geral fiquei com o coração saciado. Comece a leitura já esperando um final á altura, que não vai te decepcionar.

Baseado em Fatos (ou Sentimentos?) Reais: Esse aqui foi o motivo que terminou de quebrar meu coração em mil pedaços ao finalizar a leitura. Não sei até qual ponto posso falar sem dar spoiler, mas o fato é que um dos personagens é inspirado na irmã da autora, que morreu afogada anos atrás. Voltar e analisar o enredo com essa revelação deu um significado maior á muitas coisas, e minha impressão final foi de que a autora jogou tudo o que remoía dentro de si nas páginas do livro.

© Ilustrações: bubblegirl98xoxo / zippo514

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