Ligados como um só para amar, honrar, e queimar.   

     A resenha de hoje é de um dos últimos fenômenos literários da fantasia juvenil: Pássaro e Serpente, livro de estreia da americana Shelby Mahurin. Misturando romances arrebatadores com a tensão de uma sociedade dividida entre bruxas e caçadores, a história acompanha uma exilada em um dilema mortal.


Nome
: Pássaro e Serpente
Saga: Pássaro & Serpente (#1)
Autor(a): Shelby Mahurin
Tradutor(a): Glenda d'Oliveira
Editora: Galera Record
Páginas: 504
Ano: 2021
Nota do blog★★★★ (4,5/5)
Onde encontrarAmazon / Goodreads / Skoob
Sinopse: Há dois anos, Louise le Blanc precisou fugir de seu clã e se escondeu na cidade de Cesarina, deixando para trás toda a magia e vivendo de tudo que pudesse roubar. No entanto, a cidade é cheia de perigos e mistérios para alguém como ela. Na região, caçadores da Igreja caminham pela cidade, venerados como verdadeiros homens santos. E o arcebispo, o rigoroso patriarca da Igreja, parece ser violento. Lá, bruxas como Lou são temidas, caçadas… e, então, queimadas.

Reid Diggory vive sua vida com base em um versículo: não permitirás que uma bruxa viva. Fanático caçador de bruxas para a igreja, Reid dedicou toda sua vida erradicando o ocultismo e fazendo com que o arcebispo da cidade, seu pai, ficasse orgulhoso de suas ações. Mas quando chega o momento e a oportunidade de capturar uma bruxa, um ladrão o engana e seu alvo consegue escapar.

Com a intenção de levá-la a julgamento, Reid acredita que ela não escapará novamente. Mas quando Lou dá um golpe perverso e o engana outra vez, em um escândalo público, os dois são forçados a uma situação inimaginável: o casamento.

O casamento com um caçador poderia proporcionar uma proteção verdadeira às bruxas – se Lou conseguisse convencê-lo de que não é uma. No entanto, à medida que o tempo passa, seu segredo se torna cada vez mais difícil de ser mantido escondido.

Apesar do perigo que Reid representa à sua sobrevivência, complexos sentimentos de Lou por Reid começam, lentamente, a nascer. Incapaz de mudar o que realmente é, Lou precisará fazer uma escolha.
Comecei o livro com baixas expectativas (várias problematizações sobre, etc), mas me surpreendi positivamente. É um livro que, pra mim, funciona em sua totalidade, como conjunto. Durante a leitura, mesmo notando alguns problemas, fui fisgado a ponto de relevar esses erros (passar o famigerado pano) e me envolver com os personagens e suas tramas.

Uma bruxa e um caçador de bruxas unidos em sagrado matrimônio. Só havia um final possível para uma história assim – uma estaca de madeira e um fósforo. (pag. 242)

O forte de "Pássaro & Serpente" é, sem dúvidas, o fluxo da narrativa. É constante, intenso, e me manteve vidrado até a última página. A escrita da autora é sóbria, objetiva, sem desvios ou frases de efeito. Simples, mas eficaz. É o livro perfeito para sair de uma ressaca literária, já que a leitura não exige esforço algum.

O relacionamento dos protagonistas, Lou e Reid, também foi positivamente interessante. A autora explora as táticas de Slow Burn, quando a relação é construída aos poucos, e Enemies to Lovers, quando dois inimigos se apaixonam. Ela usa os momentos sem ação no livro para desenvolver melhor essa relação, o que contribuiu para a leitura seguir constantemente envolvente.

Como eu poderia confiar em um homem que me atiraria na fogueira sem hesitação? Como poderia ama-lo? (pag. 249)

Porém nem tudo são flores. Algumas inconsistências se mostraram presentes durante toda a criação do enredo. O maior deles é a construção da sociedade onde a história é narrada. Não temos muitas informações sobre a configuração do mundo, suas políticas são explicadas vagamente, e a parte mitológica é caótica.

Por mais que o embate Chasseurs x Bruxas seja explicado, a hostilidade e frieza dessa guerra não se sustenta nos argumentos expostos. As bruxas são demonizadas em suas ações, com atitudes extremas e cruéis, e tomam o posto de vilão na maior parte do livro - o que nos faz esquecer de que elas são, teoricamente, o povo perseguido nessa configuração social. Não vemos qualidades das Dames Blanches sendo exaltadas, mesmo que sua motivação seja "justificada". Isso não acontece com os Chasseurs, que recebem comentários positivos da protagonista por não se mostrarem monstruosos 100% do tempo. A narrativa, que deveria ser imparcial, acaba pendendo para o lado da igreja e seus caçadores.

O que quer que Reid fosse, não era um porco azul. Mas ainda era um Chasseur. Acreditava no que acreditava. Eu não era tola o bastante para pensar que poderia muda-lo. Ele me veria sob uma luz diferente se soubesse quem eu era de verdade. Suas mãos – me tocando com tanta delicadeza – me tocariam de outra maneira, também. (pag. 322)

Não vi, porém, os problemas que tanto falaram no lançamento do livro. Desserviço para a comunidade Wicca? A autora não usa elementos ou premissas que justifiquem essa associação. Machismo? Bem, a sociedade da trama é extremamente patriarcal e autoritária, e não poderíamos esperar personagens diferentes nesse contexto. Lembrando que essas são as >minhas< conclusões depois da leitura – fiquem à vontade para discordar e argumentar.

O momento em que notei algo problemático foi quando a protagonista afirmou ter feito de tudo para sobreviver nas ruas, chegando "até a transar com uma prostituta". A forma como isso foi utilizado, para demonstrar os extremos negativos de sua jornada, foge do contexto social da obra e insinua uma posição problemática da autora. 

– Achou que ele a protegeria, mas ele mesmo teria amarrado você à estaca. Olhe para ele, Louise, para o seu ódio. (pag. 370)

Estou ansioso para ler Sangue & Mel, mesmo com baixas expectativas para melhorias. A trilogia foi recentemente concluída no brasil pela Galera Record, em edições padrão da editora (folha amarela, diagramação confortável). Minha reclamação quanto ao exemplar físico do 1º volume é sobre o tom da capa - que devia ser preto, mas optaram por um cinza que desvaloriza todos os detalhes em dourado.

Resumindo, leitura aprovada e recomendada para quem curte fantasias com romances difíceis. Mesmo com falhas, a conclusão vale a leitura e deixa um arco interessante para o próximo volume. 


★★★ (4,5/5)


Escutei High Alone, da Sevdaliza, enquanto escrevia o post.

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